Viajar ao centro da terra é sempre uma experiência misteriosa que ativa memórias, aguça os sentidos e estimula a criatividade. Muitas vezes, ao ouvir a palavra “caverna”, nosso imaginário nos conduz a um ambiente apertado, escuro e meio assustador. Mas nem sempre é assim. Conceitualmente, cavernas são cavidades que possibilitam o acesso de seres humanos. São formadas naturalmente, devido a uma série de processos geológicos ao longo de milhares de anos e apresentam salões, corredores e formações esculpidas também pelo efeito da água. De fato, muitas cavernas podem causar desconforto devido às suas passagens estreitas, mas também existem cavernas imensas, com salões amplos e vários metros de altura, eliminando a sensação claustrofóbica. É o caso da Gruta da Lapa Doce, em Iraquara, um dos atrativos mais famosos da Chapada Diamantina e uma das maiores do Brasil, com seus mais de 25 km de extensão.
O correto é chamarmos este lugar de Sistema Lapa Doce, pois abriga, atualmente, três roteiros turísticos: Lapa Doce I (com 9,3 km), Lapa Doce II (com 16,5 km) e a Lapa do Sol (um sítio arqueológico com diversas pinturas rupestres).
Cláudia Lima Mattedi, administradora do Complexo Lapa Doce e coordenadora da Sociedade Baiana de Espeleologia, conduziu a equipe do Guia Chapada Diamantina a um novo caminho na imensa Lapa Doce: o Roteiro do Lima, uma área de preservação ainda fechada para o turismo. “No momento, estamos em trâmites com o Plano de Manejo, que é um documento elaborado a partir de estudos do local, a fim de estabelecer normas e restrições para o uso, visando minimizar os impactos, garantir a preservação das formações e a segurança dos visitantes” explica Cláudia, que prevê a abertura do roteiro em 2019. Um dos objetivos da expedição é conhecer o Poço do Lima.
E lá fomos nós! A equipe, composta por 7 pessoas, permaneceu 12 horas dentro da caverna para captar as melhores imagens deste caminho incrível que, em breve, estará acessível a todos.
É um passeio desafiador. Da sede da fazenda até a entrada, descemos por uma trilha onde o desnível é de 75 metros. Chagando à boca da caverna, percebemos o quanto ela é grandiosa. Caminhamos alguns metros adentro e, pouco a pouco, a luz do dia vai diminuindo, até que as luzes das lanternas se fazem necessárias. Cinco minutos de caminhada e a escuridão é total, assim como o silêncio. O ar é fresco e a temperatura média é de 22 graus.
As formações são fascinantes. Algumas colossais e outras, extremamente delicadas. Estalactites, Estalagmites, Colunas, Cortinas, Pérolas. Se deixar a imaginação fluir, podemos ver dedos, anjos, cogumelos, presépios, guarda chuvas, pianos, ondas e águas vivas.
Mas não pense que o caminho é reto, lisinho, e que ficamos bem tranquilos contemplando o cenário com nossas lanternas. Caminhar ali não é fácil e requer atenção. O chão é bastante acidentado, com diversas pedras, formações, areia, algumas áreas úmidas e escorregadias. O grupo deve permanecer unido. As formações não devem, jamais, ser tocadas. Respeito total pelo espaço e confiança plena nos Guias.
É curioso o sentimento de fascinação que construímos enquanto avançamos. Nos sentimos pequenos perante à natureza. Aquele lugar que parecia inóspito torna-se confortável. A luz da lanterna, que antes parecia um feixe de luz insuficiente, lentamente nos orienta de forma tranquila. O grupo só fala o necessário e a noção de tempo perde-se por completo.
Atravessamos um salão muito grande, fácil de andar, com teto de calcário e rocha silíaca e formações que pareciam querer nos engolir. Ou nos encapsular. Ou talvez nos estivessem envolvendo. Depende da imaginação de cada um.
Na sequência, passamos por uma área mais complexa. O desnível é grande, com a partes desmoronadas, pedras soltas, terra e muitas, muitas formações.
Chegamos então a mais um desafio para nosso imaginário: a área que comprova que o sertão já foi mar! Búzios enormes pelo chão e paredes com marcações nítidas de fluxo de água intenso, formando cânions com vários metros de altura.
Pausa para o lanche e um descanso. A esta altura da expedição, a familiaridade com a falta de luz e com o ambiente é tanta que a qualquer momento que nos sentamos ou permanecemos parados, os olhos se fecham involuntariamente.
À frente, um som familiar parece surgir. Gotas d’água caindo delicadamente e as marcações do fluxo do rio que invade a caverna em períodos chuvosos se tornam bem aparentes. As formações desta área lembram flocos de neve dentro de um lago congelado.
A presença destas águas sinalizam que estamos próximos do tão aguardado encontro com o Poço do Lima.
Caminhamos por mais alguns metros com bastante cuidado devido aos salões que começam a se intercalar aos nossos pés, algumas áreas desmoronadas, até chegarmos a um grande desnível. “Aqui é o Poço” diz Claudinha, animada. Todos direcionamos as lanternas para “buraco” profundo de paredes arredondadas à nossa frente. “Bora descer?!” convida ela. E todos nos preparamos para as fotos tão esperadas.
A maior parte das grutas de Iraquara são formadas por passagens secas ou drenadas apenas por cursos de água intermitentes. No entanto, existem várias ocorrências de cavernas com a presença de lagos e rios perenes.
O Poço do Lima é um rio subterrâneo que forma um pequeno lago no interior da caverna. Como este, existem cerca de outros vinte no Sistema Lapa Doce. Este poço tem águas profundas e cristalinas, chega a 25 metros de profundidade e abriga uma espécie rara de peixe, o bagre albino, que foi capturado pela equipe da Rede Globo, durante uma reportagem no local. Veja aqui o vídeo completo.
O Canal Off, também da Rede Globo, fez um belíssimo registro de um mergulho inédito neste poço, explorando condutos submersos. Assista aqui esta reportagem.
Durante o caminho de volta, diferente do que fizemos na ida, inúmeras outras formações se apresentam, nos surpreendendo a cada passo.
Qual a diferença entre gruta e caverna?
“Nenhuma. Outros nomes também representam essas cavidades, como Lapa, Gruna, Toca e outros. Essa denominação tem a ver com os termos regionais e não com o tipo de cavidade. Tecnicamente, só existe diferença de denominação para abismo, onde a profundidade é maior que o trecho horizontal e para abrigo sob rocha, onde de maneira simplista, o trecho horizontal é menor que a altura da entrada, ‘boca’ “, esclarece Alexandre Lobo, espeleólogo do Grupo Bambuí de Pesquisas Espelológicas.
Sobre Iraquara
Devido ao subsolo com grande teor de calcário, Iraquara possui um dos maiores acervos espeleológico da América do Sul e a maior concentração de cavernas da Chapada Diamantina.
Por todo seu patrimônio natural, parte do território do município está protegido pela Área de Proteção Ambiental (APA) Marimbus-Iraquara, situada nos limites do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Esta APA abrange também parte dos municípios de Lençóis, Andaraí e Seabra e engloba cenários como o morro do Pai Inácio e o Pântano do Marimbus.
Quem é “Lima”?
Simpliciano de Oliveira Lima Filho, ou simplesmente “Lima”, é o pai de Cláudia e Geovana Lima, guardiãs da Lapa Doce. Fundador da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBAE), há 30 anos, estabeleceu-se como uma referência entre espeleólogos de todo o país, quando o assunto são as grutas da Chapada Diamantina
Graças à sua visão do mundo e à forma como interagia com as pessoas, fez muitos amigose é frequentemente lembrado e homenageado em encontros de espeleologia Brasil afora.
Lima, que nos deixou em 2005, contribuiu de forma decisiva com a divulgação, conservação e preservação do patrimônio espeleológico da Chapada Diamantina.
Agradecimentos
Agradecemos calorosamente a todos que participaram da expedição:
Claudia Lima Mattedi, proprietária da fazenda Lapa Doce e coordenadora da Sociedade Baiana de Espeleologia, pela calorosa recepção;
Guia de turismo Epaminondas Pereira, pelo profissionalismo e por sua gentileza;
Fotógrafo Açony Santos, pela parceria de sempre e pelos belíssimos registros;
Thiago Freitas, pelo suporte para realização as fotos;
Gabriela Novaes, pelo suporte para realização as fotos.