Para além da beleza diariamente retratada em fotografias e redes sociais, formações geomorfológicas como o Morro do Pai Inácio e a Cachoeira da Fumaça são importantes para contar a história do planeta. E a chancela internacional de um Geoparque pode atrair interessados em geodiversidade e geoturismo de todo o mundo, fortalecendo e trazendo o reconhecimento devido ao local em questão, no caso, a Serra do Sincorá, na Chapada Diamantina.
Tal qual o reconhecimento que existe para locais que guardam a biodiversidade, existe uma denominação de território, que é concedida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para aqueles que ajudam a contar a história da Terra e praticam a conservação do patrimônio natural integrado ao cultural. A esses conjuntos de sítios, a entidade ligada à ONU concede os títulos de Geoparques Globais da UNESCO.
Mas ao contrário de locais de preservação da fauna e flora, como os parques nacionais de preservação permanente, em que a presença humana exige controle rigoroso, nos patrimônios geológicos a presença da população é estimulada e o turismo funciona como ferramenta de preservação do patrimônio natural enquanto promove o desenvolvimento socioeconômico sustentável de seu território.
“Após a certificação pela UNESCO, nossa expectativa é de que o fluxo de turistas pelo menos dobre”, destaca o vice-presidente da Associação Geoparque Serra do Sincorá e coordenador de implantação do projeto, Renato Pimenta de Azevedo. A entidade que ele ajuda a dirigir assumiu a tarefa de implantar o geoparque que reúne as áreas contíguas dos municípios baianos de Andaraí, Lençóis, Mucugê e Palmeiras. A estimativa em relação ao aumento no número de visitantes se baseia em estudos que mediram o impacto da iniciativa em outras regiões.
Além dos municípios que integram o Geoparque Serra do Sincorá, no território da Chapada Diamantina existem projetos em andamento nos municípios de Morro do Chapéu, Iraquara e Rio de Contas. “O reconhecimento como um geoparque tem o poder de integra-lo a uma rede que é mundial. A chancela da Unesco atrai a atenção de pessoas e operadores de turismo de todo o mundo”, diz Renato Azevedo.
Morfologia e garimpo
Enquanto existem regiões que buscam o reconhecimento para desenvolver a infraestrutura turística, os municípios da Chapada já contam com rede de hospedagem e serviços ao turista instalada, guias e condutores experientes, que precisariam apenas receber capacitação em informações geológicas, além da história ligada ao turismo. Na região habitada por aproximadamente 40 mil pessoas, além dos destaques das formações geológicas e sítios arqueológicos, ainda é possível estudar a longa história do garimpo na região cujo “sobrenome” é derivado de diamante.
Renato Azevedo acredita que o processo de reconhecimento do geoparque na Unesco ainda pode se prolongar por um prazo entre quatro e cinco anos até se concretizar. “Não há dúvidas quanto à riqueza do patrimônio geológico que temos aqui na Bahia”, ressalta a ex-dirigente da Comissão de Geoparques da Sociedade Brasileira de Geologia, Marilda Santos Pinto. Mas, segundo ela, para receber tal status, é necessário que se comprovem processos que garantam a conservação geológica das áreas, que haja o investimento em educação para os habitantes da região e a promoção do geoturismo.
“Tomar um banho de cachoeira é muito bom, assim como o olhar contemplativo da paisagem, mas existe um perfil de turista que quer saber como aquela estrutura ou aquela paisagem foi criada e qual capítulo da história evolutiva do planeta Terra aquele território representa”, diz Renato.
Acrescenta Renato que “este turismo qualificado traz uma série de benefícios para a região, porque o turista vai se hospedar, se alimentar e vai levar lembranças”, diz.
Geoparques brasileiros
No Brasil, em âmbito federal, as propostas de definição de geoparques têm sido coordenadas pela CPRM (Serviço Geológico do Brasil), responsável pelo levantamento do inventário do patrimônio geológico brasileiro. No momento, o Brasil tem como integrante ativo da rede global da UNESCO, somente o Araripe Geopark, localizado no estado do Ceará. Entretanto, já foram colocadas trinta propostas de geoparques, dentre as quais cerca de quinze estão efetivamente sendo trabalhadas.
Sete dessas propostas são localizadas geograficamente no estado da Bahia, sendo que a Chapada Diamantina abriga quatro delas. Além do Araripe, um geoparque já consagrado, existem duas outras propostas que já receberam uma visita de inspeção da Unesco e estão em vias de serem aprovados como integrantes da rede mundial. São eles o Geoparque Aspirante Seridó, no Rio Grande do Norte, e o Geoparque Aspirante Cânions do Sul, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Associação Geoparque Serra do Sincorá
Um grupo importante de locais de interesse geológico (ou geossítios) está localizado no território do Geoparque Serra do Sincorá. Essa proposta de geoparque mereceu a criação de uma associação sem fins lucrativos, a AGS – Associação Geoparque Serra do Sincorá, que assumiu a tarefa de planejar e implantar o projeto. Desde 2017, o grupo se reúne e promove encontros, palestras e eventos que apresentem a proposta do geoparque, a fim de que a população, os empresários e o poder público estejam cientes e, acima de tudo, apoiem e se integrem à iniciativa.
Diferentemente da mecânica de criação de unidades de conservação descrita na legislação brasileira, onde um gestor público decide pela criação da unidade, os geoparques são criados pelas comunidades que passam a atuar sob os critérios de qualidade da Unesco e recebem o apoio do poder público na trajetória de reconhecimento.
Todos os anos, a AGS discute e aprova em sua assembleia geral relatórios de atividade, plano estratégico e o plano anual de ação. Isso garante que esforços não sejam desperdiçados, a história registrada e os objetivos, cumpridos.
Expectativa de desenvolvimento
A postura receptiva aos visitantes no caso dos geoparques, parte do princípio de que não é necessário afastar a população para proteger o patrimônio. “O benefício financeiro que a população local tem com a exploração responsável no ambiente favorece a preservação”, dizo geólogo Antonio Dourado, membro da Comissão de Geoparques da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG). Dourado explica que a proteção à geodiversidade é tão importante quanto proteger a biodiversidade. “Nossas cidades estão crescendo, o mundo precisa de mais portos, aeroportos, ferrovias, agricultura, etc. E a geodiversidade que fornece matérias-primas para tudo isso daí”, destaca.
A degradação das estruturas que possuem valor histórico pode representar prejuízos incalculáveis para a humanidade. “A geologia é uma ciência que se reinventa. Às vezes, uma determinada rocha já foi estudada, mas pode ser útil voltar a ela no futuro e examiná-la à luz das novas tecnologias”, explica Dourado. Ele ainda destaca que o território do Brasil, com cerca de 4,5 bilhões de anos de história geológica pode contribuir muito para os estudos geológicos. E que os geoparques podem contribuir para o desenvolvimento do Brasil. “Estamos falando de um turismo para um público de alto padrão aquisitivo”, destaca.
Geoparques e desastres naturais
A questão da segurança em áreas de atrativos turísticos tem recebido ultimamente no Brasil muita atenção face a diversas ocorrências recentes de desastres naturais em diversas regiões.
A gestão do Geoparque Serra do Sincorá está sintonizada com a necessidade de promover, em parceria com o poder público, o mapeamento e o monitoramento de riscos geológicos e da segurança das populações e turistas frente a possíveis acidentes naturais.
Um dos eventos realizados foi a divulgação da geodiversidade presente no Geoparque Serra do Sincorá para a comunidade do território e turistas no Mercado Cultural, no centro de Lençóis.
Na foto acima, a equipe de pesquisadores e professores de diversas universidades brasileiras em trabalho de campo no território do geoparque. Gerando conhecimento científico e traduzindo esse conhecimento para as comunidades.
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Serra do Sincorá – Foto: Dmitri de Igatu