Diante das tendências apontadas para o turismo, um dos setores mais atingidos pela pandemia do Covid-19 no mundo, fica claro que é chegada a hora de nos preparar para a reestruturação do mercado e agir com positividade em relação à chance de “trocar o pneu do carro parado”, um movimento quase impensável para uma indústria que opera 24 horas e não possui estoque de vendas.
Com baixa escolaridade e grande desigualdade, tempos difíceis de reestabelecimento se aproximam do Brasil. Longe de termos todas as respostas para a avalanche de perguntas que surgiu com o novo coronavirus, podemos discutir estratégias e pensar em melhorias para um setor que tem enorme potencial de geração de empregos e movimentação da economia brasileira: o turismo de natureza.
A Organização Mundial do Turismo (OMT) emitiu chamado para que as lideranças internacionais incluam o turismo como prioridade em seus esforços de recuperação econômica pós-pandemia. O turismo de natureza, há muito tempo negligenciado pelo poder público brasileiro, se mostra como uma ferramenta útil em curto prazo, utilizando o que o Brasil tem de melhor: sua natureza e a cultura de um povo resiliente e alegre, para reconstituir e melhorar a teia socioeconômica do país.
Aos empresários do setor, é hora de observar a oportunidade de utilizar as linhas de crédito abertas, para além de salvar o seu negócio, investir acertadamente e em conjunto. Realizar reformulações, incentivar a capacitação de funcionários, reunir-se com os outros empresários para trocar experiências e desenhar cenários. Fazer tudo o que sempre faltou tempo e recursos financeiros para fazer. Ter essa visão agora nos livrará do desespero de meses sem operar e vender, nos colocando adiante, numa situação capaz de reverter todas as perdas do atual momento.
Conforme apontam especialistas do setor, o caminho para micro e pequenas empresas que geram milhões de empregos no país, é atender as novas demandas dos viajantes brasileiros e estrangeiros e as principais tendências das viagens no pós-pandemia. E o melhor, as tendências apontam para o fortalecimento do turismo de natureza dos interiores do Brasil e unidades de conservação. A seguir, discutimos seis dessas tendências.
1. Consumo e sustentabilidade: a mudança nas motivações de viagem
Como apontado no jornal El Pais, “a pandemia antecipa mudanças que já estavam em curso, como o trabalho remoto, a educação à distância, a busca por sustentabilidade e a cobrança, por parte da sociedade, para que as empresas sejam mais responsáveis do ponto de vista social”.
Jean-Claude Razel, ex-presidente da ABETA (Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura) e CEO da Alaya Expedições em Brotas/SP, destaca o comportamento do novo viajante pós-pandemia como “um segmento da economia da educação: viajar não para ticar a lista dos locais para visitar antes de morrer, mas sim para aprender como manobrar um barco a vela, fazer pão, aprimorar a busca espiritual”, entre outras experiências. Buscas que podem ser encontradas de forma abundante nos destinos de natureza no Brasil.
O consumismo saiu de “moda” e isso é uma grande oportunidade para o turismo de natureza. Os destinos que oferecem vivências culturais em ambiente natural, com grande impacto regional na conservação da natureza e sobrevivência de famílias em situação social vulnerável, serão valorizados. Será a chance das empresas que trabalham nessa tendência de se destacarem e ganharem a escolha dos clientes.
2. Receio de locais com aglomerações
Com vivências em locais amplos a céu aberto e tudo o que envolve uma vida saudável (ar puro, água limpa, exercícios físicos e contato com a natureza) os destinos de turismo de natureza oferecem tudo que o novo viajante busca. Atende ainda diferentes propostas para quem deseja viajar com crianças, em pares ou pequenos grupos.
Com as novas motivações de viagem e a tendência a evitar atrativos famosos em cidades com aglomerações, a tendência aponta mais uma seta no caminho dos destinos de natureza no Brasil.
3. Público A: os primeiros a voltar a viajar
As perdas de vidas terão um impacto considerável nas viagens. Pessoas que sofrem a partida de familiares próximos, geralmente, deixam de viajar. Tais situações são muito mais significativas e incomparáveis às perdas financeiras, estendendo ainda mais o prazo para a retomada das viagens. Outros inúmeros fatores contribuem para o distanciamento da retomada das viagens, como equipamentos turísticos que forem à falência, fronteiras fechadas e a segurança da baixa contaminação, para mencionar alguns.
Mas quando, eventualmente, acontecer a retomada das viagens, essas serão realizadas pela camada socioeconômica menos atingida financeiramente pela pandemia. Pessoas que não perderam seus empregos ou que possuem empresas com saúde financeira suficiente para passar pela crise, além dos empresários que aproveitaram oportunidades e tiveram seus negócios potencializados nessa situação.
Pensando nisso, os destinos de natureza devem se estruturar para atrair essa demanda e criar estratégias para as empresas que atendem outros públicos. Pousadas, agências receptivas e atrativos que puderem investir os empréstimos para elevar sua categoria, com certeza estarão mais propensos a receber a atenção do público A. É um cenário que se faz necessário vender para quem pode comprar primeiro e depois estruturar estratégias para outros segmentos, como veremos adiante.
4. Restrições em aeroportos e fronteiras: as novas regras nos países
Razel destaca ainda a preocupação com a segurança como fator fundamental nas relações turísticas no pós-pandemia. Assim como o 11 de Setembro mudou para sempre a segurança dos aeroportos, vamos assistir a uma nova onda na segurança sanitária de locais de grande circulação de pessoas, ambientes fechados e principalmente nas fronteiras dos países.
Podemos esperar uma reabertura cautelosa e novos lockdowns nos próximos meses. Além de maiores restrições de vistos e processos de entrada. É prudente considerar que será aumentada em horas a antecedência para chegar aos aeroportos, o suficiente para passar por todos os novos processos. Tais fatores afetarão diretamente as decisões dos viajantes pelos seus destinos.
Além disso, os países precisam de políticas de reestruturação da economia interna e viajar para fora é levar dinheiro para circular em outros países, enquanto viajar para destinos nacionais é fazer o dinheiro rodar e fortalecer a economia do seu país. Esses aspectos fazem com que as viagens internas estejam em grande evidência.
Sorte a nossa termos um país tão grande e diverso para aproveitar e mais um ponto para o fortalecimento do turismo de natureza no Brasil, que precisa agarrar a oportunidade para se estabelecer em longo prazo.
5. Viagens regionais, com carro próprio e motor homes
Com viajantes pensando em evitar aeroportos e a instabilidade das companhias aéreas, em que não se sabe ao certo se os preços vão aumentar ou diminuir, a tendência aponta para o crescimento das viagens regionais.
Os deslocamentos realizados em veículos próprios e até com motor homes, modalidade ainda pouco explorada no Brasil, devem crescer e o mercado deve estar preparado para receber e incentivar esses viajantes.
Voltando às estratégias de gestão para movimentar outros segmentos além do público A, viajantes com motor homes são essencialmente importantes para bares, restaurantes e alguns equipamentos turísticos. Esses viajantes não costumam gastar com hospedagem e transportes, mas participam diretamente no consumo em lojas, restaurantes, mercados, agências receptivas e atrativos.
Seria uma estratégia promissora na gestão pública de destinos no Brasil investir em pontos de apoio para motor homes (estações de saneamento, reabastecimento e estacionamento) e reivindicar junto aos governos estaduais e federal a melhoria nas estradas.
Outro ponto de estratégia de gestão pública para movimentar outros segmentos além dos que atendem o público A, é a estruturação de parques (Nacionais, Estaduais e Municipais) para serem autoguiados (com sinalização e manejo adequados), podendo atrair públicos interessados em gastar menos nas atividades de lazer, mas que movimentam hospedagens de categoria econômica.
6. Segurança sanitária: a extrema preocupação com a limpeza
O professor de Negócios da Universidade Cornell Hotel Escola em Ithaca, Nova York/EUA, Christopher Anderson, em entrevista para a CNN Travel, destaca que os clientes se sentirão mais seguros em escolher hospedagens com padrões de limpeza rigorosos do que se arriscar em alternativas como o Air BnB.
Muitos procedimentos devem ser pensados para a hotelaria como a implantação de novos processos de limpeza, o treinamento da equipe para as regras sanitárias e soluções inovadoras como a higienização por ozônio, que garante segurança de limpeza de microorganismos a cada troca de usuário.
O advogado Felipe Faria esclarece que o meio de hospedagem deve seguir as normas sanitárias vigentes, podendo, caso necessário, negar a prestação de serviços para quem descumprir as determinações dos órgãos governamentais de saúde. Por exemplo, um hóspede que se recuse a atender os protocolos de segurança sanitária, não respeitando distanciamento social adequado em relação aos outros hóspedes ou não cumprindo a etiqueta de tossir e espirrar cobrindo o rosto, pode, em tese, ser convidado a se retirar. Qualquer estabelecimento comercial – como meios de hospedagem – deve zelar pela saúde de seus clientes, sob pena de cassação de suas licenças de funcionamento e responsabilização penal (crime contra a saúde pública).
Outra estratégia que as hospedagens brasileiras devem considerar é a ampliação dos períodos disponíveis para reservas (com tarifários estabelecidos). Provavelmente muitas pessoas já estejam pensando em suas viagens em 2021 e a disponibilidade com políticas mais flexíveis de cancelamento e remarcação, será importante na escolha do cliente.
Comunicar tais procedimentos também é fundamental. Todas essas mudanças influenciarão diretamente em reformulações de planejamento, ampliação na quantidade de funcionários, aumento de produtos de limpeza (inclusive disponibilizados em áreas sociais, como álcool gel), entre outras necessidades que vieram para ficar.
Estudos do Ministério do Meio Ambiente, na Cartilha do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) do ICMBio, 2011, apontam que “a visitação nos Parques Nacionais do Brasil tem potencial para gerar entre 1,6 e 1,8 bilhões de reais por ano”. O setor que pode se tornar uma grande potência econômica no país, gerando empregos, valorizando culturas locais e contribuindo na conservação da natureza se encontra no momento ideal de incentivo. É chegada a hora de internalizar as mudanças o quanto antes e agir em conjunto, na estruturação do turismo de natureza no Brasil, por um país que mostra suas riquezas naturais com orgulho e preservação, respondendo à crise da pandemia do Covid-19 de forma sustentável.